“Nós passamos por um momento delicado e resolvemos registrar tudo para compartilhar essa história e conscientizar as pessoas sobre a importância da doação de órgãos.”
Cris e Rodrigo
Cris
Pois é, foi assim que sempre encarei os problemas de saúde que tive – e não foram poucos –, com bom humor. O transplante não foi diferente, eu sempre fazia brincadeiras. E não era para esconder nenhum sofrimento, eu apenas aceitei que essas coisas acontecem e que pelo menos eu tinha saídas para elas, melhor era mesmo minimizar do que fazer isso me consumir.
Hoje (28/09/2016) faz exatamente 1 ano que passei por um transplante de fígado e, pra mim, esse aniversário foi mais esperado do que o dia do transplante em si. Significa que venci essa primeira etapa, passou 1 ano, as coisas começam a se estabilizar, a nova vida fica mais calma e real, os sentimentos já se acalmaram. Não é fácil explicar, vou contar rapidinho como era minha vida antes e depois eu tento explicar como é agora.
A espera do transplante
Já fazia mais de 10 anos que eu convivia com duas doenças autoimunes. Uma delas era no fígado e, fora os exames de sangue alterados e a forte coceira que eu sentia em todo o corpo, ela estava “quieta”, evoluindo pouco a pouco. Mais ou menos um ano antes do transplante, eu tive dois episódios de sangramento do esôfago e no segundo, vendo a piora que a doença tinha tido em pouco tempo, foi feita uma reunião para avaliar o meu caso, e foi decidido que o transplante agora era necessário.
Infelizmente, o fígado já não funcionava como deveria, e agora meu corpo sentia mais essa ineficiência. Eu ficava fraca, tinha falta de ar, a pele ficou muito amarela e a coceira já não respondia a nenhum medicamento, então as feridas apareceram e aumentaram pelo corpo todo.
A ideia do transplante nunca me assustou, eu sabia que aquilo ia fazer melhorar o que mais me incomodava, que era a maldita coceira e a recente falta de energia para fazer tudo o que eu queria. Aliás, eu não parei de fazer minhas atividades, continuei fotografando, mas não era a mesma coisa, pois não conseguia me dedicar como eu queria, algumas vezes tive que pedir desculpas e o Rodrigo continuou sozinho o ensaio pois eu não tinha mais forças.
A espera do transplante não foi um sofrimento, como eu disse, a ideia nunca me assustou. Eu sempre tive consciência de que eu sempre seria uma pessoa transplantada, que tomaria remédio por toda vida, teria consultas regulares e etc. Mas, sinceramente? não mudaria nada para mim, pois eu já fazia quase tudo isso.
A única coisa diferente que aconteceu nessa espera é que haviam planos até o transplante e planos após o transplante. E, mais uma vez sendo realista, eu sabia que esses podiam não vir a se realizar.
Mas uma coisa ficava na minha cabeça sempre, conhecia uma pessoa muito especial e querida, que é transplantada de fígado também, que uma vez me disse: “você vai ver, quando você transplantar a sua cabeça vai mudar, você vai pensar diferente”. E eu ficava pensando, que tipo de pensamentos vão mudar? Eu tenho muitas opiniões e comportamentos que são, ao meu ver, muito corretos, não sou invejosa, sempre quero e ajudo a todos como posso, minha família é a melhor que eu poderia ter, tenho um companheiro que está me ajudando a passar por tudo isso da maneira mais leve possível, e sei que se tudo der certo eu vou ser sempre grata aos médicos e aos familiares que permitiram a doação dos órgãos, então eu não poderia imaginar pensamentos diferentes.
E aí eu convido você a saber como foi um ano inteiro de pós transplante, e porque essa data era tão esperada por mim.
Vida após transplante
Primeiro ensinamento que eu tive de cara, foi ter calma e aprender a esperar. A UTI não é fácil, mas tem o tempo necessário para que você se estabilize. O retorno pra casa com limitações de dieta que faz com que toda a sua família mude a rotina deles para se adaptar à sua, os cuidados intensos de tomar remédio, medir temperatura, trocar curativo, tentar te animar, arranjar coisas para passar o tempo, ouvir as reclamações de dores nas costas e muitas vezes ainda passar por alguns sustos como infecções intestinais e pontos abrindo, fazem com que eu tenha certeza de que amor de pai e mãe é mesmo incondicional, e que eles só estão bem quando os filhos também estão.
Depois dos dois ou três primeiros meses de cuidados intensos, a gente começa a ganhar mais liberdade, o uso da máscara só para quando estamos em hospitais ou lugares muito cheios, já podemos comer fora de casa, mas sempre com aquele receio, então melhor escolher bem o que e onde comer, voltar para a minha casa, com a minha rotina, os meus planos (aqueles do pós transplante, lembram?) outro desafio: aprender a viver novamente.
Essa fase acho que foi a mais difícil (em termos psicológicos), agora posso usar a roupa que eu quero, não tenho mais feridas para esconder e nem coceira para incomodar (que felicidade!). Vamos colocar em prática os planos de vida então. Planejar viagens, alavancar a empresa, eu posso, eu quero e eu vou fazer. Mas aqui tive que pensar que a vida nova era a minha, os outros continuavam a viver a deles, como sempre viveram, e eu já não tinha aquele problema enorme que era o transplante, parecia que eu já não tinha mais um objetivo, era apenas viver, e por incrível que pareça, me incomodou muito. Eu tornava os probleminhas do dia a dia em coisas enormes, estava muito instável em meus pensamentos e chegou o momento do desapego. Desapeguei de coisas, de pessoas, consegui colocar pra fora tudo o que eu sempre quis expor em algumas situações, e isso foi bom. Eu agora consigo saber o que eu quero e o que – e quem – é bom pra mim.
Então veio a fase da calmaria. Planejamentos, colocar algumas coisas em prática, veio o inverno (que antes era um sofrimento pra mim e agora não mais), estava feliz com o rumo que as coisas estavam tomando. Então ganhamos uma viagem de presente dos meus pais, eu e o Rodrigo, que delícia viajar! Depois de tanto tempo sem poder nem ir à praia, agora posso ir pra onde eu quiser. A viagem foi incrível, mas o mais importante de tudo foi que essa viagem me fez pensar, durante e depois dela. Pensar que eu não preciso de muito, nem de muito dinheiro, nem de muitos amigos, muito sucesso, preciso do suficiente pra poder fazer as coisas que me fazem bem, como dormir um pouco mais, passear com os cachorros no parque, ir para a academia, fazer os artesanatos que tanto gosto, poder trabalhar menos caso não esteja me sentindo bem. Me fez pensar que eu só sou insubstituível para os que me amam, e doar meu tempo e meu trabalho sempre para os que nunca reconheceram é egoísmo com esses que me amam. Penso também em aceitar mais as pessoas como elas são, as crenças, escolhas, caminhos, cada um vive a sua caminhada e os caminhos se cruzam para que possamos trocar coisas boas uns com os outros, nem que seja só um sorriso, o pré julgamento pode tanto nos afastar de ter um dia mais feliz, como de conhecer amigos novos e maravilhosos.
Mas acho que o mais importante de tudo que aconteceu comigo durante esse ano pós transplante foi saber perdoar quem merecia, e a maioria das vezes são pessoas que nem sabiam que eu guardava alguma mágoa, são pessoas que de alguma maneira me machucaram, e eu me afastei, mas com uma mágoa tão grande que chegava a virar raiva, raiva essa que só prejudicava a mim, e que eu resolvi internamente, só depois de passar por inúmeras etapas de superação e que me possibilitaram enxergar que as coisas e as pessoas não são sempre como imaginamos, todos cometem erros, e cabe a nós decidir o que gostamos e queremos por perto e quem não, mas sempre com os pensamentos em paz.
O que eu digo hoje é sempre muito obrigada, a todos que passaram por isso comigo, antes, durante e depois, presentes ou não, ativos ou não, amigos ou não, cada um tem a sua parte na pessoa que eu sou hoje, acredito que melhor do que eu era antes e sempre querendo melhorar ainda mais.
Quer ver um pouquinho de como foi isso tudo? O Rodrigo registrou:
Como foi documentar tudo isso?
por Rodrigo Capuski
Nós sabíamos que esse dia chegaria, então decidimos documentar tudo com o que sabemos fazer, fotografando. Ao contrário do que muitos imaginam, não foi difícil fotografar esses momentos. Cada etapa era carregada de emoção, apreensão, esperança e medo. Eu estava em todas elas segurando a câmera. Quando recebemos a notícia e a Cris explodiu de emoção e apreensão, caindo no choro, eu primeiro a abracei e a beijei, depois peguei a câmera comecei a registrar tudo.
Quem me conhece sabe que eu não sou uma pessoa religiosa nem supersticiosa. Mas por algum motivo eu nunca tive medo de que algo desse errado. A Cris sempre foi forte e com vontade de viver, a equipe de médicos que a operariam são extremamente capazes, além de serem amigos ou conhecidos dela. O dia do transplante foi um acontecimento no hospital. Cada etapa era comemorada com uma enxurrada de mensagens via WhatsApp, uma rede de informações circulava a cada notícia. Como a primeira notícia boa, de que o fígado do doador era compatível e que estava seguindo para Curitiba. A imprensa a entrevistando, pois ela já tinha dado uma entrevista para incentivar a doação de órgãos, contribuindo com o Setembro Verde, que foi eleito o mês da conscientização da doação. Ela no quarto, vendo sua entrevista, minutos antes de ir para a cirurgia. Ao aparecer na TV, seu Facebook foi invadido por mensagens de desconhecidos e conhecidos que não estavam sabendo do fato. Todos apoiando, mandando boas energias. Foi emocionante.
O que a Cris não mencionou em seu texto é que algo deu errado e assustou a todos, inclusive a mim, que agora sentira um frio na barriga. Na dia seguinte ao transplante, uma veia trombosou e o fluxo de sangue para o fígado foi interrompido. Graças aos cuidados da UTI e agilidade dos médicos, o problema foi identificado em tempo hábil para ser revertido em uma reoperação às pressas, digna de um episódio de Dr. House.
A Cris só acordou 4 dias depois, pensando que ainda era o mesmo dia em que fora operada. Nesse processo eu fotografei tudo, a angústia dos pais, as despedidas – ou até breve! – os abraços, as lágrimas, a espera angustiante por notícias, a saída da sala de cirurgia e tudo mais que eu pude acompanhar. Depois da operação e reoperação, registrei a Cris se recuperando, redescobrindo alguns prazeres simples, como poder lavar o cabelo, poder andar por conta própria, poder comer o que quiser – um bolo de chocolate foi o primeiro pedido – e o emocionante reencontro com a Olívia!
Teve um momento especial que minhas lentes não puderam fotografar, devido a proibição de registro dentro da UTI. Mas de qualquer forma uma foto não faria jus àquele momento. O momento enquanto a Cris estava começando a dar sinais de que acordaria, entubada, sedada, ela entreabria os olhos por segundos e fazia pequenos movimentos. Não estava nem perto de lúcida. Esperei um tempo para conseguir um momento desse. Em uma de minhas visitas ela entreabriu os olhos e eu passei a mão em sua testa e disse “acorda meu amor, você não tem mais coceira, está sentindo?”, ela se retorceu o esboçou um sorriso, que mesmo sendo tímido, com tubos e fios, foi um sorriso maravilhoso, que pela primeira vez tirou lágrimas dos meus olhos.
Hoje, cada vez que vejo as fotos eu percebo um detalhe diferente, um sentimento que eu não tinha reparado, um detalhe de expressão, um toque, e me emociono, volta e meia de marejar os olhos. Então eu percebi que durante todo o processo, enquanto eu fotografava, as lentes foram um escudo que me impediam de sentir medo, pois eu botei na cabeça de que tudo ia dar certo, e que eu precisava registrar essa história que iria mudar a vida de tantas pessoas, inclusive a minha.
Cris deu uma entrevista para o mês da conscientização de doação de órgãos. Antes e depois da cirurgia:
Vocês são incríveis, que felicidade saber de toda essa superação e renascimento! Sem palavras e chorando de emoção, tamo junto. ♡
Linda a historia de vocês. Fico feliz pela Cris ter vencido as dificuldades e estar se sentindo bem. Adorei o relato dos dois.
Somos primas de segundo ou terceiro grau…nossas mães são primas mas acho que só vi a Cris quando era muito pequena. Quem sabe um dia iremos nos conhecer?
Saiba que apesar da distância, acompanhei o que deu pelo facebook
Desejo toda felicidade do mundo para vocês dois. Um beijo no coração.
Carla
Emocionante…feliz demais por essa guerreira linda e feliz demais por saber que ela tem um companheiro incrível.
Desejo felicidades muitas felicidades. Grande beijo
Parabéns guerreira <3
Sem palavras, você é insubstituível minha girafinha amada. Nestes dez anos você sempre esteve, está e estará em minha vida.
Não sou uma pessoa de estar presente fisicamente e você sabe, não precisa. Você é um amor de coração, de filha, de amiga.
Adoro você menininha, parabéns por ser como é. Sou grata por ter você Cris no meu coração.
Parabéns pela superação e força!!
Rezamos mto por vc (a pedidos da Léka)…e me emocionei mto com sua história. Que vc seja mto feliz e abençoada!!!
Que história, hein Cris? Me emocionei muito e fico muito feliz por Deus ter cuidado de vc neste tempo. Hoje conhecemos vcs e temos certeza que são maravilhosos e realmente merecem desfrutar de todas as coisas boas que a vida pode dar! Continuem bem! Super bjos!
Gostei e parabens por vencedora se!!
Peço q me ajude pois para a coceira, o que fez??? E o que usou p melhirar desse horror?
Tive rejeiçao e coceira insuportavel✌️️✌️️✌️️POde me ajudar?
Saude e fé te desejo
Abs
Olá Janine, tudo bem? Vou te mandar um e-mail para saber melhor da sua situação e assim poder te ajudar ok? Um abraço.
Eu só sei chorar, lendo tudo isso. E agradecer por conhecê-los, exemplos de vida para mim! Muita vida, Muita luz nos seus caminhos!
lindo.
retrato fiel de um pos transplante de fígado com.muita emoção e extremamente ilustrado.
Orgulho e bem estar de poder ter sido usado por Deus para te ajudar em alguns destes momentos!!!
Felicidades.
Marco Aurélio Costa
Ei menina, vim aqui apreciar suas lindas fotos e me deparei com esse documentário, estou emocionada e muito feliz com a sua vitória.
Parabéns pela sua sensibilidade com as fotos, pessoas e cães,
e pela sua generosidade em compartilhar sua história.
Vamos marcar nosso ensaio com a minha pretinha?
Beijos pra você, Olivia e mini cavalo
Me emocionei com seu relato Cris…. e me vi na sua pele na despedida da Olivia… ( tenho 3 gatos: Luigi, Ratta e Bellinha)
Estou listada para transplante hepatico tambem e creio que ainda esse ano eu seja chamada… ja vivi mentalmente cada etapa… E como vc, tambem levo na brincadeira e aceito oque esta acontecendo..mas confesso que alguns dias são cinzas e batem uma ansiedade e medo do que ha por vir…
Os tantos planos pro futuro e o medo de nao se realizarem…
Casei ha 6 meses e descobri meu problema ha apenas 2 meses…. tudo muito novo, intenso…
Seu relato foi de grande valor.
Um beijo pra vcs
Oi Cris, me senti em “seus sapatos” quando vi a cobertura de seu pre, durante e pós cirurgia. Tb fui transplantado de fígado em 07/12/18 em Blumenau-SC e após 04 meses estou me sentindo muito bem fisicamente (thanks God) e com um sentimento de gratidão tão grande que nunca havia experimentado antes. Este sentimento está me motivando a incentivar pessoas ao meu redor à doação e que estas pessoas tb multiplique isso.
Amanha, 11/04/18 haverá um encontro de transplantados na Assembléia Legislativa de Floripa e eu com certeza farei parte da turma de transplantados que sairá de Blumenau para este evento. Multiplicarei em seguida o que se passar por lá. Forte abraço e seguimos na luta!!!
Lindo depoimento,tenho uma filha que talvez tenha que passar por esse transplante , gostaria de saber se vc sente bem totalmente.